A Contabilidade e as dimensões econômicas, sociais e ambientais dos Relatórios de Sustentabilidade

A Contabilidade e as dimensões econômicas, sociais e ambientais dos Relatórios de SustentabilidadeA participação do Conselho Federal de Contabilidade (CFC) em organismos técnicos nacionais e internacionais da profissão contábil tem trazido uma série de benefícios à gestão da entidade. Deixando as demais vantagens dessa representatividade para abordar em outra ocasião, vou me reportar aqui sobre uma delas: a capacidade de conhecer discussões sobre questões novas, contemporâneas, que afetam ou afetarão, em um futuro próximo, a profissão, de colaborar com essas discussões e de interceder por elas.

Um exemplo disso é a recente elaboração, por um grupo de estudos constituído pelo CFC, de uma minuta de Norma Brasileira de Contabilidade (NBC) sobre Relato Integrado (RI), documento que foi chancelado pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) e pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Essa minuta – denominada Orientação Técnica OCPC 09 – permaneceu em audiência pública conjunta do CFC, do CPC e da CVM, de 25 de setembro a 26 de outubro de 2020. Até o fim deste ano, será publicada a NBC com o framework do RI, com utilização não mandatória pelas empresas.

A elaboração dessa norma é uma iniciativa que está caminhando pari passu com a forte tendência mundial de elaboração de relatórios de sustentabilidade pelas empresas. De fato, essa predisposição global já se materializa em muitas ações mundo afora, uma vez que a sustentabilidade está se tornando cada vez mais uma questão econômica.

A reivindicação comum dos mercados, em quase todo o mundo, é que as empresas demonstrem a criação de valor, de longo prazo, para todas as partes interessadas, em relação aos compromissos assumidos quanto aos impactos dos negócios e investimentos sobre a sustentabilidade ambiental, social e de governança corporativa – aspectos conhecidos pela sigla ESG, de Environmental, Social and Governance.

“A sociedade é mais bem atendida por empresas que alinharam seus objetivos aos de longo prazo da sociedade”, vaticinou o documento Compact for Responsive and Responsible Leadership, assinado por mais 140 executivos (CEOs) presentes no World Economic Forum International Business Council, realizado em 2017 em Davos, Suíça. Em 2019, uma discussão do desempenho e dos riscos dos negócios sobre os aspectos ambientais, sociais e de governança movimentou novamente a comunidade empresarial do Fórum Econômico Mundial (WEF, na sigla em inglês). [https://www.weforum.org/whitepapers/toward-common-metrics-and-consistent-reporting-of-sustainable-value-creation]

Iniciativas nesse sentido estão por toda parte. O WEF submeteu, recentemente, um documento à consulta pública sobre métricas e divulgações ESG. Enquanto isso, no Brasil, foi lançado, em setembro, o índice S&P/B3 Brasil ESG, que utiliza critérios baseados no conjunto de práticas de sustentabilidade das empresas. [https://www.weforum.org/pages/world-economic-forum-esg-metrics-and-disclosures-consultation-process]

Mas, nesse contexto, onde entram os relatórios financeiros “tradicionais”? E, diante do crescimento dos relatórios de sustentabilidade, como ficam as demonstrações contábeis?

Vamos por partes.

Em recente discurso, Hans Hoogervorst, presidente do International Accounting Standards Board (Iasb) – organismo emissor das normas IFRS, utilizadas atualmente por mais de 140 jurisdições, incluindo-se o Brasil –, falou sobre o papel que os relatórios corporativos podem desempenhar no tratamento das questões de sustentabilidade.

Um dos pontos importantes nessa abordagem do presidente do Iasb que eu gostaria de chamar a atenção é quanto à possibilidade de questões relacionadas a mudanças climáticas, por exemplo, serem cobertas por normas IFRS, tanto em termos de reconhecimento quanto de mensuração e divulgação, dada a sua abordagem ser baseada em princípios.

Hoogervorst cita que, embora os padrões do Iasb não expressem, diretamente, os termos “mudança climática” ou “sustentabilidade”, há algumas normas que trazem previsões nesse sentido e contemplam questões relacionadas a esses riscos.

Um exemplo é a norma IAS 16 – Property, Plant and Equipment, a partir da qual foram elaborados o Pronunciamento Técnico CPC 27 – Ativo Imobilizado e a Norma Brasileira de Contabilidade NBC TG 27, que estabelece o tratamento contábil para ativos imobilizados. Essa norma exige que as empresas definam por quanto tempo espera que um ativo seja útil e, com base nessa estimativa, determinem em que medida o ativo será depreciado ou amortizado a cada ano. Nesse aspecto, podem ser consideradas as mudanças climáticas, que encurtam a vida útil de determinados ativos e forçam as empresas a acelerarem a sua depreciação.

Além da IAS 16, há outros exemplos citados no discurso, que, a propósito, recomendo a leitura [https://www.ifrs.org/news-and-events/2020/09/speech-iasb-chairs-keynote/].

O objetivo das demonstrações contábeis, como são feitas hoje, não é garantir uma economia mais sustentável em relação ao meio ambiente. Os relatórios são produzidos para retratar a realidade econômica das empresas, fornecendo aos investidores e demais stakeholders informações essenciais para as decisões de negócios e investimentos.

Ocorre que, à medida que as questões de sustentabilidade estão se tornando urgentes, o conjunto da sociedade, de diferentes países, está clamando às empresas para que estas assumam esse compromisso. E mais, o cidadão está querendo ver esse engajamento expresso em relatórios detalhados e transparentes.

Vários frameworks de relatórios de sustentabilidade surgiram para atender a essa necessidade de divulgação corporativa – o Relato Integrado (RI) é um deles. Mas essa tendência já cresceu tanto, nos últimos anos, que agora há demanda por padronização, comparabilidade e outros aspectos.

Nesse sentido, a Fundação IFRS, entidade responsável pela supervisão do Iasb, abriu uma consulta pública, em nível global, para levantar dados sobre a demanda mundial por emissão de normas de sustentabilidade. A organização, inclusive, analisa a possibilidade de criar um novo conselho – ou Board – para tratar de normas e relatórios de sustentabilidade. Para os trustees da fundação, um conjunto de padrões comparáveis e consistentes permitirá que as empresas conquistem a confiança do público por meio de uma maior transparência de suas iniciativas, o que seria útil para investidores e para o público em geral. [https://cdn.ifrs.org/-/media/project/sustainability-reporting/consultation-paper-on-sustainability-reporting.pdf?la=en]

A Federação Internacional de Contadores (Ifac, na sigla em inglês) divulgou, no último mês de setembro, um documento com manifestação de apoio à iniciativa da Fundação IFRS e de outras organizações contábeis internacionais de se criar um conselho para normas e relatórios de sustentabilidade. Para a federação, que conta com entidades-membros de mais de uma centena de países, agora é o momento de se chegar a uma solução global quanto a um sistema de relatórios que forneça informações consistentes, comparáveis, confiáveis e relevantes para a criação de valor empresarial, o desenvolvimento sustentável e as expectativas de evolução. Para a Ifac, a fragmentação dessa demanda, por outro lado, perpetuaria a ineficiência, o aumento de custos e a falta de confiança pública. [https://www.ifac.org/knowledge-gateway/contributing-global-economy/discussion/enhancing-corporate-reporting-way-forward]

Em nível nacional, além da atual iniciativa conjunta do CFC, do CPC e da CVM para a elaboração de normativo sobre relatório de sustentabilidade, o Tribunal de Contas da União (TCU), por meio da Decisão Normativa TCU n.º 178/2019, estabeleceu diretrizes para a elaboração do relatório integrado pelas unidades prestadoras de contas da federação em 2020. Outra iniciativa brasileira importante é que a Lei N.º 13.303/2016 – Lei das Estatais –,  estabelece, no Art. 8º, IX, a divulgação anual de relatório integrado ou de sustentabilidade.

Esses são apenas alguns exemplos de iniciativas nacionais nesse sentido. Muitas outras, bastante relevantes, estão acontecendo no país e no mundo. E o CFC, como membro da Ifac, colaborador do Iasb, integrante de outros organismos internacionais e parceiro de entidades nacionais relacionadas à profissão, está acompanhando interesses da área e intercedendo por eles.

Já se sabe, há séculos, que a Contabilidade é fundamental para o progresso econômico, ajudando a manter a confiança da sociedade nos mercados e nos negócios. Agora, estamos iniciando uma nova fase na divulgação de informações corporativas, na qual estão expressas, de forma integrada, as dimensões econômicas, sociais e ambientais.

Artigo escrito por Zulmir Ivânio Breda – Presidente do CFC

Por CFC

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